Enfermeira do Trabalho no Hospital Universitário Pedro Ernesto e professora da Faculdade de Enfermagem Luiza de Marillac, no Rio de Janeiro, Maria Lucia Moura concedeu entrevista a este Blog sobre o HIV/AIDS no ambiente laboral.  Segundo ela, indiferença, desprezo e desconfiança ainda permeiam as relações no trabalho com prejuízo para a produtividade dos soropositivos. Leia abaixo a entrevista na íntegra:

Blog do Trabalho – Como enfermeira do Trabalho, como a senhora avalia a relação de soropositivos no ambiente de trabalho? Estes trabalhadores ainda sofrem algum tipo de preconceito?

Maria Lúcia Moura – Uma relação de sofrimento psíquico, desconfiança e tristeza. Claro que sofrem preconceitos, afinal de contas é no ambiente de trabalho que passam praticamente a maior parte do tempo. Aprendemos que o corpo fala. Muitas vezes não há necessidade de falar, basta mostrar indiferença. A OIT já vem se preocupando com esse assunto, desde 2001.

Blog – As empresas têm alguma política em favor destes trabalhadores e contra qualquer forma de discriminação? De que maneira o empregador tem atuado diante da questão?

Maria Lúcia- Sabe-se que algumas empresas de pequeno e médio porte têm pouco interesse nesse tipo de programa no local de trabalho. Mas podemos contar com grande satisfação com várias empresas no país que desenvolvem programas de enfrentamento à epidemia de HIV/AIDS. Outra medida lúdica para tratar do assunto é incluir palestras sobre AIDS na Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (SIPAT). Palestras, filmes, distribuição de camisinhas. O dia Nacional de Prevenção ao HIV/AIDS no local de Trabalho é 8 de outubro. O próprio enfermeiro do trabalho dessa empresa pode se responsabilizar por palestras, informação e orientação sobre o HIV/AIDS. Ele pode falar para a população que se trata de uma doença considerada crônica, que o uso da medicação controlada reduz a carga viral, e que o principal meio de contaminação é o sangue, explicando também os fatores de risco. É uma boa oportunidade para o gestor começar a analisar o assunto e preparar um evento que destaque a importância da qualidade de vida do trabalhador, no seu ambiente de trabalho.

Blog – É possível para o trabalhador com HIV ter qualidade de vida no âmbito laboral?

Maria Lúcia – A qualidade de vida no âmbito laboral geralmente analisa-se através da relação produtividade/satisfação no trabalho. Claro que um portador do vírus, que não se sente bem no local de trabalho, que sofre discriminações é visto como um doente perigoso, com certeza, levará para casa e para sua família essa angústia e os dias se repetirão o que torna claro que qualidade de vida no trabalho depende de vários fatores. E especificamente esse trabalhador não produzirá o adequado nem para sua satisfação e nem a para a de seu empregador.

Blog – Ainda que tenha grandes chances de viver normalmente, em razão dos avanços da medicina, a senhora defende que portadores do HIV exerçam atividades diferenciadas ou reduzidas em comparação aos seus colegas sem o HIV?

Maria Lúcia – Com certeza as chances hoje são bem maiores de sobrevivência do que na década de 80. Os antirretrovirais têm dado resultados bastante satisfatórios e as pessoas tem uma melhor qualidade de vida. São varias as informações que a população em geral, precisa saber, o que muito me inquieta, como uma profissional da área de saúde, e enfermeira do trabalho. Gostaria de falar sobre o HIV, sobre a AIDS, sobre Janela Imunológica, sobre todos os meios de contaminação, sobre muitas coisas que com certeza ajudaria as pessoas, esclarecendo pontos obscuros do conhecimento sobre o assunto. Em relação às atividades para os portadores do HIV, como já respondi indiretamente nas outras perguntas, as pessoas são simplesmente portadoras do vírus. Não é um doente AIDS, ou seja, sua imunidade caiu muito e as doenças oportunistas, como qualquer pessoa debilitada invadem o organismo. HIV significa Vírus da Imunodeficiencia Humana, e AIDS, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. O significado das siglas, já diz tudo. É um trabalhador como qualquer outro, digno de qualquer função desde que esteja habilitado para suas atividades.

Blog – De que maneira a senhora vê a prática ilegal de pedir exames a uma pessoa selecionada para uma função a fim de checar se ela tem o vírus da AIDS?

Maria Lúcia – É importante lembrar que nenhuma empresa poderá exigir do candidato teste HIV. É proibida essa solicitação, e se ocorrer o trabalhador pode fazer uma denuncia ao Ministério Público do Trabalho, pois não precisa e nem é obrigado a informar aos seus empregadores que é soropositivo para HIV, até porque a portaria do MTE nº 1.246/2010, artigo 2º declara que: “Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos por ocasião da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou outros ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador quanto ao HIV”.

Blog – Quais as principais queixas dos soropositivos em relação ao trabalho? Há revolta contra eventuais práticas de discriminação?

Maria Lúcia – Indiferença, desprezo, desconfiança. Com certeza existe uma revolta silenciosa. Até porque qualquer descriminação ou preconceito é crime, e o estado de saúde do soropositivo só interessa ao gestor, no caso quando ele fica sabendo ou ao médico em confidencialidade. São necessárias ações educativas no ambiente laboral para informar e orientar os trabalhadores que desconhecem os meios de contaminação seja por ignorância, ou porque prefere não enxergar, e continuar seguindo no desconhecimento total. No meu artigo “O trabalhador portador do vírus HIV: labuta diária entre o preconceito e o estigma”, esse assunto é abordado.

Fonte: Blog do Trabalho

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