A rotina dos trabalhadores da indústria de abate de
aves, suínos e bovinos envolve inúmeros riscos devido ao manuseio de
instrumentos cortantes, a pressão por altíssima produtividade e, não
raro, jornadas exaustivas em ambientes frios e insalubres.
Produzida pela Repórter Brasil, a investigação Moendo Gente (www.moendogente.org.br)
mostra os maiores problemas da indústria dos frigoríficos, um dos
principais setores do agronegócio nacional. Atualmente, emprega mais de
750 mil pessoas e, em 2011, chegou a exportar o equivalente a US$ 15,64
bilhões em carnes.
O Moendo Gente relata
problemas em 24 plantas frigoríficas pertencentes às três principais
empresas que abastecem nossos supermercados e fazem do país o líder
mundial na exportação de proteína animal: JBS, Marfrig e Brasil Foods.
Em 2011, a Repórter Brasil lançou um documentário mostrando o retrato do trabalho em frigoríficos, Carne, Osso. Clique aqui para assistir ao trailer do filme
Problemas de saúde
Na unidade de Rio Verde (GO) da Brasil Foods,
segundo levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT), cerca de
90 mil pedidos de afastamento foram registrados entre janeiro de 2009 e
setembro de 2011. É como se a cada 10 meses todos os 8 mil empregados
do frigorífico tivessem que se ausentar por ao menos uma vez devido a
problemas de saúde relacionados ao trabalho.
Os afastamentos por distúrbios osteomusculares (os
chamados DORT) foram os mais recorrentes – uma média altíssima de 28
atestados por dia, ou 842 por mês.
Já na unidade de Barretos (SP) da JBS, 14% dos
aproximadamente 1.850 funcionários estão permanentemente afastados do
trabalho devido a acidentes e doenças ocupacionais e sobrevivem com o
benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Só no
primeiro semestre de 2011, registraram-se 496 pedidos de afastamento
temporário (com menos de 15 dias) por conta de distúrbios psíquicos e
problemas esquelético-musculares.
Em 2011, a Seara (empresa do grupo Marfrig) foi
condenada a pagar uma indenização de R$ 14,6 milhões por danos morais
coletivos causados aos trabalhadores na unidade de Forquilhinha (SC). A
Justiça determinou também que a Seara conceda pausas para “recuperação
térmica” de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho. A mesma
sentença obriga ainda o frigorífico a liberar a ida dos trabalhadores
ao banheiro, sem que seja necessária autorização prévia de um superior.
Atividade de alto risco
Uma das características do trabalho em
frigoríficos é a elevada carga de movimentos repetitivos. Trabalhadores
das indústrias de aves desossam, no mínimo, 4 coxas de frangos por
minuto. Nessa função, há funcionários que realizam até 120 movimentos
diferentes em apenas 60 segundos, enquanto estudos ergonômicos apontam
que o limite de ações por minuto deve ficar na faixa de 25 a 33
movimentos por minuto para evitar o aparecimento de doenças
osteomusculares.
Fiscalizações feitas pelo Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) vêm
constatando prolongamento irregular da jornada de trabalho, com
expedientes que chegam a superar 15 horas diárias.
Especialistas em saúde do trabalho afirmam que as
lesões por esforços repetitivos têm como um dos fatores facilitadores e
agravantes a exposição a baixas temperaturas. Além disso, o trabalho
contínuo com facas, serras e outras ferramentas afiadas, aliado a
jornadas exaustivas, elevam o risco de acidentes da atividade.
Órgãos governamentais e autoridades competentes
estão cientes dos riscos que o trabalho em frigoríficos gera à saúde de
seus empregados. Segundo dados oficiais do Ministério da Previdência
Social (MPS), quando se comparam os problemas de saúde gerados
especificamente pelo abate e processamento de carne com os danos
provocados por todos os demais segmentos econômicos brasileiros, o
resultado da matemática é assustador.
No abate de bovinos, ocorrem duas vezes mais
traumatismos de cabeças e três vezes mais traumatismos de abdômen,
ombro e braço que em outras atividades. O risco de sofrer uma
queimadura é seis vezes superior.
No abate de aves, a chance de um trabalhador
desenvolver um transtorno de humor, como uma depressão, é 3,41 vezes
maior. No abate de aves e suínos, o risco de sofrer uma lesão no punho
ou nos plexos nervosos do braço é 743% maior.
Baixas indenizações
Funcionários de frigoríficos que se acidentam
gravemente ou desenvolvem doenças ocupacionais têm sido contemplados
pela Justiça com indenizações por danos morais comparáveis às recebidas
por cidadãos que tiveram seus nomes inseridos indevidamente no
cadastro de “maus pagadores” da Serasa Experian.
Para especialistas da área, as condenações
impostas pelo Poder Judiciário aos frigoríficos resultam em
indenizações de valor muito baixo que, em vez de inibir as práticas
nocivas no setor, acabam permitindo que novos acidentes ocorram.
Em Goiás, por exemplo, um trabalhador de uma
planta industrial da Marfrig teve de ser submetido a uma cirurgia
depois que um corte profundo em seu braço esquerdo atingiu nervos e
tendões, prejudicando a mobilidade de sua mão. Por não fornecer os
devidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), o frigorífico foi
condenado a arcar com os custos da cirurgia e a pagar uma indenização
de R$ 5 mil por danos morais ao empregado.
Também em Goiás, uma cliente processou um banco
que levou seu nome à Serasa Experian e foi contemplada com uma
indenização de R$ 10 mil por danos morais.
Legislação específica para o setor
A legislação trabalhista do Brasil já prevê uma
série de medidas que, se devidamente aplicadas, contribuiriam para a
proteção da saúde dos empregados do setor de frigoríficos. O artigo 253
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por exemplo, determina a
realização de intervalos de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de
trabalho para amenizar os efeitos do frio.Há normas semelhantes para
mitigar os problemas gerados pelos movimentos repetitivos. Só que as
empresas nem sempre cumprem essas determinações e, por essa razão, vêm
sendo acionadas judicialmente pelo Ministério Público do Trabalho
(MPT).
Desde 2010, a Secretaria Nacional de Inspeção do
Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (SIT/MTE) vem debatendo
com representantes de empresas, trabalhadores e órgãos competentes
(como o Ministéri Público do Trabalho) o texto de uma Norma
Regulamentadora (NR) que vai disciplinar o trabalho em frigoríficos.
Se aprovada, a NR fornecerá detalhes sobre o
fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos
trabalhadores; a adequação dos postos de trabalho, levando em conta os
instrumentos (facas, serras)e o mobiliário (mesas, esteiras); a
velocidade e o ritmo de trabalho, e a concessão de pausas aos
empregados. Esse último ponto é o que tem sido objeto de mais
controvérsias nas discussões sobre a nova NR, que pode ser aprovada
ainda em 2012.
Mercado global: o que pensa quem consome a carne brasileira
Atualmente, a carne brasileira é vendida em mais
de 150 países. Apesar dos graves problemas trabalhistas em suas
fábricas, Brasil Foods, JBS e Marfrig se valem de parcerias com
gigantes do varejo para escoar seus produtos no Brasil e no exterior.
A Repórter Brasil investigou ainda os elos que
ligam esses três grupos frigoríficos às maiores redes mundiais de
fast-food (McDonald’s, Subway, Burger King, KFC e Pizza Hut) e aos dez
maiores varejistas globais com atuação no setor alimentício (Walmart,
Carrefour, Tesco, Metro, Kroger, Lidl, Costco, Walgreens, Aldi e
Target).
A unidade de Naviraí (MS) da JBS é uma das plantas
industriais da empresa que abastecem lojas brasileiras do Walmart.
Registros de desmaios e queixas de mal-estar entre trabalhadores
levaram o Ministério Público do Trabalho (MPT) a ajuizar um pedido de
interdição do setor de abate local, em novembro de 2010.
No Oriente Médio, o Carrefour comercializa carne
halal (preparada de acordo com os preceitos islâmicos do Alcorão),
proveniente da unidade de Dois Vizinhos (PR) da Brasil Foods (BRF). Em
2011, a Justiça do Trabalho condenou a BRF por terceirização ilícita e
por submeter a “condições absolutamente indignas” os trabalhadores
muçulmanos empregados localmente na produção desse tipo de item.
A unidade da Marfrig em Hulha Negra (RS) é
responsável pela fabricação de carnes enlatadas “marca própria” da
Tesco, o maior varejista do Reino Unido. Uma inspeção do Ministério
Público do Trabalho (MPT), realizada em dezembro de 2011, constatou que
12% dos empregados locais estavam afastados por acidentes ou doenças
ocupacionais.
Todos os varejistas e redes de fast-food foram
convidados a se manifestar sobre os problemas identificados em
operações de seus fornecedores. O Moendo Gente traz as respostas daqueles que optaram por se posicionar.
Fonte: Repórter Brasil
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