Campinas (SP) - O engenheiro responsável pela obra de construção do Data Center do banco Santander em Campinas (SP) foi preso em flagrante na madrugada desta sexta-feira (10) por crime de periclitação da vida (artigo 132 do Código Penal) e crime de exercício de atividade com infração de decisão administrativa (artigo 205 do Código Penal), configurados mediante o descumprimento de embargo administrativo do Ministério do Trabalho e Emprego. Ele foi indiciado e liberado sob pagamento de fiança, com posterior instauração de inquérito pela Polícia Federal.

A constatação do descumprimento aconteceu na tarde de quinta-feira (9), em diligência no canteiro de obras localizado no distrito de Barão Geraldo, em Campinas, onde trabalham cerca de 800 pessoas. Procuradores do Ministério Público do Trabalho e auditores do Ministério do Trabalho e Emprego flagraram a utilização de equipamentos interditados no início de fevereiro, entre eles, andaimes e gruas. A obra vem sendo fiscalizada há três meses. Dezenas de infrações à segurança e medicina do trabalho foram constatadas, as quais, inclusive, motivaram acidentes graves, como do trabalhador que quebrou a perna ao cair de um andaime na semana passada, ficando com duas fraturas expostas.

Segundo apurado em inquérito, o Data Center hospedará os servidores do Santander em um espaço de aproximadamente 200 mil m² de área construída, em um terreno de um milhão de metros quadrados, com previsão de entrega em contrato para junho de 2012. A empresa contratada pelo banco para executar a construção, a espanhola Acciona, já recebeu cerca de 50 multas do Ministério do Trabalho e Emprego pelas irregularidades trabalhistas apresentadas.

Interdições e prisão

Na obra, foram interditados pelos fiscais gruas, andaimes e empilhadeiras, todos por falta de segurança. Segundo o auto de infração, as gruas não possuíam escadas com altura suficiente para o acesso à cabine de controle, o que poderia ocasionar quedas de grandes alturas, além de não realizarem teste de carga e não possuírem amarradores treinados.

Os andaimes, encontrados em desconformidade com o estabelecido por lei, apresentavam grandes vãos nos assoalhos de madeira improvisados, por onde poderia cair um trabalhador ou ferramentas e materiais sobre outros empregados, além de não oferecerem proteções nas laterais. Foram flagrados vários trabalhadores sem cinto de segurança. As empilhadeiras funcionavam em locais fechados, com conseqüente emissão de gases tóxicos no ambiente, representando risco de asfixia e até de explosão.

Apesar da interdição, os andaimes, gruas e empilhadeiras continuaram a ser utilizados, “por ordem dos supervisores da obra”, disseram trabalhadores em depoimento. O ato configurou os crimes de periclitação da vida, por expor a vida ou a saúde dos trabalhadores a perigo direto e iminente, e de exercício de atividade com infração de decisão administrativa, configurado a partir da execução de atividade proibida por decisão administrativa.

O engenheiro responsável pela obra, de origem espanhola e contratado da Acciona, foi responsabilizado pelos crimes e preso em flagrante pela Polícia Federal. O funcionário e a empresa serão alvo de inquérito policial.

“É importante ressaltar que tais infrações trabalhistas também têm conseqüências criminais. O empregador não pode simplesmente descumprir a ordem de um agente público imaginando que não sofrerá consequências mínimas”, avisa o procurador Nei Messias Vieira.

Outras irregularidades relacionadas à segurança do trabalho foram contatadas, como falta de uso de equipamentos de proteção, ausência de proteções contra quedas, desorganização no canteiro, o que ocasiona problemas na circulação de pessoas e veículos, além de falta de isolamento da área onde há movimentação de cargas por equipamentos de transporte.

Área de vivência

Outro grande problema identificado no canteiro de obras do Santander foram as condições das chamadas áreas de vivência, que englobam refeitório, lavatório, banheiros e vestiários. Nos refeitórios, era notória a falta de higiene nas bancadas e os problemas de infiltração: poças de água tomavam o chão do local onde comiam os trabalhadores.

Além da questão de limpeza, nota-se a insuficiência do número de lugares disponíveis para o trabalhador se alimentar. Os que conseguem assento no refeitório, fazem a refeição de forma desconfortável, pois o local fica bem apertado, num calor insuportável. Os que não conseguem lugar vão almoçar dentro do banheiro ou nos locais de trabalho, expostos a agentes químicos e inflamáveis. O número de chuveiros e de lavatórios se mostrou insuficiente para atender a todos os operários.

Quanto à quantidade de banheiros, o forte cheiro de urina no subsolo da obra denuncia o descumprimento da lei trabalhista, que exige uma instalação sanitária a cada 150 metros. Em decorrência da grande distância que teriam de percorrer, os trabalhadores não tem opção, senão fazer suas necessidades fisiológicas em locais no meio da obra.

“A legislação também exige do empregador que seja disponibilizado um bebedouro a cada 100 metros, o que não foi observado no canteiro. Propusemos o fornecimento de garrafões térmicos individuais, mas nem isso a empresa responsável quis adotar”, conta o auditor fiscal João Batista Amâncio.

Jornada de trabalho irregular

Uma das mais notáveis irregularidades apontadas pela fiscalização diz respeito à jornada de trabalho exorbitante pelas quais os operários são submetidos. Segundo apurado em inquérito, com levantamento documental e testemunhal, os contratados pela Acciona e pelas mais de 30 empresas terceirizadas que prestam serviços no canteiro trabalham, em média, 11 horas por dia em atividades pesadas, mas há registro de jornadas de até 18 horas.

Os trabalhadores ingressam no local de obras por volta de 7 horas da manhã e, muitas vezes, deixam a construção por volta de meia-noite. O horário considerado “oficial” pelos trabalhadores vai até as 19 horas, o que já é considerado irregular pela legislação trabalhista, que permite jornada máxima de 10 horas, incluindo as horas extras.

“Nós flagramos o registro de funcionários trabalhando ao menos 11 horas diárias. Em um caso específico, um trabalhador trabalhou 212 horas em apenas 15 dias, sem descanso, o equivalente a 14 horas diárias. O excesso de jornada na obra do Santander é uma prática nefasta”, aponta Amâncio.

Pelo excesso de jornada, os empregados não têm descanso semanal, já que a obra funciona ininterruptamente, inclusive em sábados, domingos e feriados, e o intervalo entre duas jornadas, que deve ser de, no mínimo, 11 horas. Alguns ficaram 30 dias trabalhando sem folgas.

“Os trabalhadores param para almoçar por volta das 12h00 e tomam café da tarde por volta das 16h00. Depois disso, ficam sem comer até o horário de saída, e só podem se alimentar quando chegam em casa. Muitos deles deixam o canteiro apenas à meia-noite. Trabalho pesado sem descanso e sem alimentação levam a acidentes e doenças”, aponta o fiscal.

Terceirização sem limites

A terceirização descontrolada de empresas desqualificadas é outro agravante apontado pelas autoridades. Segundo apurado, além da Acciona, o Santander já contratou diretamente outras duas empresas, que por sua vez terceirizam diversos serviços, o que precariza as relações de trabalho.

“Até o momento, por falta de capacitação econômico-financeira de empresas contratadas, a Acciona já se responsabilizou pelo pagamento de verbas rescisórias de ao menos quatro empresas, o que mostra a precariedade advinda do processo de terceirização sem critérios”, diz Amâncio.

O Santander tem contrato com uma empresa de gerenciamento de obras, a Engecorp, que teoricamente busca estabelecer um controle sobre as terceirizadas para a redução dos riscos, contudo, na prática, a fiscalização constatou a ineficácia disso. “A contratação de um serviço de gerenciamento se mostrou inócua. A terceirização se agravou no momento em que o Santander contratou diretamente outras empresas, além da Acciona, para atuar no canteiro, uma vez que estas passaram a terceirizar ainda mais. Nesse contexto, ninguém aparece como responsável, a obra está acéfala. Estamos, inclusive, temendo atos de vandalismo, pois tal situação, criada por uma sucessão de acidentes, jornada excessiva e falta de pagamentos salariais, pode trazer problemas sociais que ultrapassam o canteiro de obras”, lembra a auditora fiscal Márcia Marques.

Na vistoria dessa quinta-feira foram flagrados, ainda, 10 trabalhadores sem registro, de uma empresa terceirizada que contrata 60 pessoas. Trinta se recusaram a trabalhar por não terem recebido salário ou por terem sido pagos com cheques sem fundo.

Alojamento precário

A fiscalização também visitou os alojamentos onde os operários estão alocados, no distrito de Barão Geraldo. Em dezembro do ano passado, uma vistoria flagrou uma infestação de carrapatos nos quintais e nos quartos da casa, que estava superlotada (com cerca de 20 residentes) e possuía apenas um banheiro.

Trabalhadores dormiam em colchões na varanda, um ambiente aberto e sem qualquer proteção contra intempéries. Um dos operários disse que, em determinada noite, teve de dormir dentro do armário para proteger-se do frio.

A fiscalização interditou o alojamento e obrigou a Acciona a alojar os trabalhadores em uma pousada até fossem realizados todos os pagamentos e fosse providenciada a viagem de retorno desses trabalhadores a seus estados de origem.

Segundo os auditores, O MTE deve lavrar novos autos de infração relacionados às irregularidades constatadas na última ação fiscal. O MPT continuará juntando provas nos autos do inquérito para adotar as medidas cabíveis.


Fonte: Ministério Público do Trabalho em Campinas

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