As indenizações na Justiça para ex-trabalhadores da indústria do amianto estão mais frequentes e mais altas. Neste mês, a Justiça do Rio mandou pagar R$ 1,450 milhão à família de Maria de Lourdes Lima Vianel, que morreu de asbestose em 2000. Em São Paulo, atualmente, mais de 300 ações individuais tramitam na Justiça contra a Eternit, uma das primeiras a se instalar no ainda bairro paulistano de Osasco, em 1939. Em 1993, foi desativada, mas deixou um rastro de mortos e doentes. Muitos morreram sem saber que foram vítimas do pó branco-acinzentado que tomava conta da fábrica e seus arredores. Segundo a Eternit, em toda a história da produção no Brasil, há 300 casos de disfunção respiratória em decorrência da exploração e menos de cem processos de ex-trabalhadores. O amianto é utilizado na produção de telhas e caixas d´água.

Muitos ex-funcionários que adoeceram ganharam indenizações de R$ 100 mil a R$ 300 mil. Caso de Ivo dos Santos, que trabalhou na Eternit entre 1952 e 1985 na função de modelador e recebeu R$ 200 mil em uma ação por danos morais, finalizada em 2007, dez anos depois do início do processo. João Batista Momi, de 82 anos, 32 deles como marceneiro na Eternit, também acaba de receber R$ 112 mil por danos morais em um processo cujo valor total chega a R$ 300 mil.

As empresas temem que uma eventual decisão do STF contrária à Lei 9.055 (que autoriza o uso controlado do amianto) crie uma jurisprudência pela qual funcionários e ex-trabalhadores tenham mais vantagem em futuros questionamentos judiciais. Para os representantes sindicais da atividade mineradora, todos favoráveis à extração e produção do amianto, o histórico de doenças em Minaçu, em Goiás, onde está a única mina do país, fez com que a proteção social e sanitária aos funcionários seja hoje a mais elevada da mineração.

Pelos estudos do sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz Hermano Albuquerque de Castro, houve 3.720 casos de mesoteliomas registrados no país de 1980 a 2010. Os números são subdimensionados por ser uma doença de difícil diagnóstico e concentrados no Sudeste, onde os registros são mais eficientes. Estudos científicos atribuem ao amianto a responsabilidade de cerca de 90% dos casos desse tipo de câncer de pleura, de alta letalidade. Segundo Castro, 80% dos pacientes morrem no primeiro ano após o diagnóstico da doença. Para o Instituto Brasileiro de Crisotila, que representa a indústria, não é possível afirmar categoricamente que os casos reunidos pelo médico no Sistema de Informações de Mortalidade do Datasus, do Ministério da Saúde, são causados por amianto.

Em São Paulo, desde 1995, com o crescimento dos casos de ex-trabalhadores doentes, a percepção de médicos e órgãos da saúde pública começou a mudar. Por causa dessa mudança, Aquilino Alves dos Santos, ex-funcionário da Eternit, foi a primeira vítima diagnosticada com câncer de pulmão por contaminação de amianto. Quatro meses depois de ter o diagnóstico reconhecido pela Fundacentro, órgão do Ministério do Trabalho, morreu em consequência da doença. Antes, ajudou a fundar a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), principal frente de oposição ao uso de amianto e de defesa de trabalhadores e ex-operários da indústria.

Aquilino Santos empresta seu nome a uma praça em Osasco, onde desde 2001 são realizadas missas e atos em homenagem aos cerca de 150 ex-empregados da fábrica local que já morreram na luta para banir o mineral cancerígeno do Brasil.

"É uma forma de levar informação à população e mostrar os malefícios da exposição ao amianto", disse o deputado estadual Marcos Martins, autor da Lei 12.684/2007, que proibiu o amianto no estado.

Osasco tem um histórico de amor e ódio com a Eternit e o amianto. Antes do fechamento da fábrica, os trabalhadores tinham orgulho da empresa. Doracy Maggion, 72 anos, e 50% da respiração comprometida por causa da asbestose (endurecimento do tecido pulmonar, o "pulmão de pedra"), conta que, nos17 anos que trabalhou na Eternit, o pó do amianto estava em todos os lugares da unidade e formava uma nuvem sobre o bairro. Ele se arrepende de ter levado o pó para usar como contrapiso no pátio de sua residência:

"Eles (a Eternit) doavam o pó para que os funcionários pudessem utilizar no calçamento das casas."

A exposição ao amianto ao longo dos anos não afetou somente trabalhadores. Segundo a Abrea, parentes e moradores de bairros próximos à fábrica também foram contaminados. A doceira Adelaide de Jesus Morino, de 85 anos, mora no bairro Jardim Agu, a menos de 200 metros de onde funcionou a Eternit. Ela está com mesotelioma, espécie de câncer na pleura, membrana que envolve o pulmão. Adelaide precisou fazer seis biópsias para constatar a doença, de difícil diagnóstico. Depois disso, já fez seis sessões de quimioterapia. Segundo a idosa, a falta de ar e as dores nas costas, além da perda do apetite, começaram há quatro anos.

"Curioso que esses sintomas que tenho são os mesmos que outras vizinhas, minhas amigas, sentiam anos atrás. Elas acabaram morrendo sem saber qual era a doença."

A Eternit informou que, dos dez diretores da Abrea e ex-funcionários que entraram com ações na Justiça, quatro tiveram sentenças de improcedente, e os processos foram arquivados, caso do presidente da Abrea, Eliezer João de Souza. No restante dos casos, um fez acordo em 2009 (Ivo dos Santos), dois tiveram suas ações consideradas procedentes e aguardam decisão, outro entrou com recurso e os outros dois se negaram, segundo a empresa, a atender às solicitações para realizar acompanhamento médico.

Acordo é assinado antes da doença

A Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho prevê acompanhamento periódico da saúde dos funcionários, terceirizados e ex-trabalhadores da cadeia do amianto. Anualmente, essas pessoas são submetidas a radiografias e testes de sopro para avaliar se foram expostas ao asbesto. O responsável por esse acompanhamento em Minaçu, Goiás, é Eduardo Andrade Ribeiro, uma espécie de dr. Krokowski do clássico "A Montanha Mágica" de Thomas Mann. Como no romance, a avaliação é aguardada com ansiedade pela população atendida, pois determina ou não a indenização.

Dos 3.500 funcionários e ex-funcionários que assinaram acordo prévio com a mineradora Sama, que prevê pagamento de pelo menos R$ 35 mil e plano de saúde vitalício, 180 receberam o benefício, sobretudo porque sofrem com placas pleurais. Desses 180, segundo Ribeiro, um décimo tem asbestose. Ainda há o risco de mesotelioma, que é incurável.

Fonte: Agência O Globo

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