O que são acidentes do trabalho?
Os acidentes do trabalho (AT) são fenômenos socialmente determinados, previsíveis e preveníveis. Ao contrario de constituir obra do acaso como sugere a palavra acidente, os acidentes do trabalho são fenômenos previsíveis, dado que os fatores capazes de desencadeá-los estão passíveis de identificação e presentes na própria situação de trabalho, muito tempo antes de serem desencadeados.
A eliminação/neutralização de tais fatores é capaz de evitar/limitar a ocorrência de novos episódios semelhantes, ou seja, além de previsíveis, os acidentes do trabalho são preveníveis.
Afirmar que acidentes de trabalho são socialmente determinados, equivale dizer que resultam de fenômenos sociais, sobretudo da forma de introduzir os trabalhadores na produção. 
Qual a importância dos métodos de investigação de acidentes de trabalho?
Existem alguns métodos de investigação de acidentes disponíveis na literatura. No Brasil, tem havido difusão e/ou recomendação de métodos nem sempre indicados para os tipos de episódios a serem investigados. Além disso, não é raro que a realização de treinamentos e reciclagens seja negligenciada, acarretando utilização inadequada do método adotado.  
Existem formulários/questionários (check list) capazes de auxiliar na identificação de "situações de risco grave e iminente" e de acidentes com máquinas, e que podem ser de grande auxílio. Entretanto, é importante salientar que tais instrumentos não suprem as carências de treinamento visando capacitar os profissionais na investigação de aspectos não explorados pelos questionários.
É muito importante ter em mente que a investigação de um acidente é um processo de construção coletiva que envolve os membros da equipe investigadora e os interlocutores da empresa.
É indispensável que essas pessoas sejam ouvidas. É também importante consultar laudos e documentos diversos eventualmente existentes a respeito de máquinas e equipamentos direta ou indiretamente envolvidos na ocorrência do acidente.
Como a realidade brasileira influencia na prevenção de acidentes?
Em termos de segurança do trabalho, a realidade brasileira é extremamente desigual (heterogênea), o que constitui dificuldade adicional para os profissionais da prevenção de acidentes, uma vez que em seu cotidiano enfrentarão tanto situações cujo diagnóstico é relativamente simples, como situações complexas que exigirão estudo, consulta a especialistas, etc. 
De modo geral, pode-se dizer que em situações de incidência elevada de acidentes do trabalho, é possível identificar a maioria dos problemas com relativa facilidade, por meio de inspeções de segurança. Trata-se de situações nas quais o desrespeito à legislação é flagrante, com indicação de ações de prevenção, baseadas na aplicação das normas legais vigentes.
Em boas condições de segurança, com baixa incidência de acidentes, estes dependem da ocorrência de várias alterações, simultâneas ou sequenciais, na forma de desenvolvimento do trabalho que, por não estarem presentes na situação de trabalho habitual, dificilmente são identificadas por meio de inspeções de segurança clássicas.
Como podem ser classificados os acidentes do trabalho para a realidade brasileira?
Uma classificação de acidentes do trabalho pode auxiliar na escolha de métodos para sua investigação em condições de segurança do trabalho heterogêneas, como as existentes em nosso país. Abaixo são apontadas as principais características dos acidentes, segundo o estágio de segurança das empresas. 
Característica analisada
                               Tipos de acidentes
1
2
3
Taxa de frequência
elevada
moderada
baixa
Estrutura do Acidente de Trabalho
linear ou quase linear
conjunção de alguns fatores
conjunção de muitos fatores
Frequência de aparecimento
permanente/muito frequente
esporádica
excepcional
Atividades em desenvolvimento
específicas, habituais, ligadas ao posto de trabalho
conexas, secundárias, não habituais
inespecíficas
Natureza dos problemas
desrespeito flagrante à legislação de segurança
relacionados a fatores da organização do trabalho/gerenciamento da empresa
acúmulo de fatores que, isoladamente não afetariam a segurança
Diagnóstico a priori
fácil
difícil
muito difícil
Como diagnosticar
inspeções de segurança
análise
auditorias de qualidade, método ADC, árvore de falhas...
  • Acidentes do tipo 1(Exemplo):Operação de máquinas com zona de operação aberta, permitindo acesso de partes do corpo do trabalhador e trabalho em altura sem proteção contra quedas, observando-se que a maioria dos fatores estava presente na situação de trabalho habitual. Basta uma pequena mudança na realização da tarefa, às vezes imperceptível ao próprio acidentado, para que o acidente aconteça, verificando-se que a segurança depende, quase que exclusivamente, do desempenho do trabalhador.  
  • Acidentes do tipo 2(Exemplo):A furadeira de peças, com sistema que mantém imóvel o conjunto peça-gabarito, quebra e é temporariamente substituída por furadeira de chapas (sem fixação). Durante a furação, uma peça escapa, atingindo o operador. Neste caso, as condições que geraram o acidente estiveram presentes de forma limitada no tempo e inspeções de segurança, realizadas em condições habituais de trabalho, não revelariam o perigo, pois a peça estaria sendo furada com equipamento apropriado.
  • Acidentes do tipo 3(Exemplo):Um pega-toras entra em pane durante o turno noturno e a equipe de plantão (reduzida) não consegue consertá-lo. Um carregamento de matéria-prima, aguardado para o dia seguinte, chega à empresa e o supervisor designa o operador do “pega-toras”, em pane, para operar um triturador, raramente utilizado. Nessa nova situação, o trabalhador sofre um acidente. No exemplo, constata-se que as condições habituais de trabalho sofreram várias modificações, que ocorreram de forma limitada no tempo e de forma quase simultânea, dando origem ao acidente. Da mesma forma que no exemplo anterior (tipo 2), uma inspeção de segurança dificilmente identificaria os fatores envolvidos no desencadeamento desse acidente.
Como devem ser feitas as investigações de acidentes de trabalho?
A partir da informação da ocorrência de um acidente, a equipe de investigação deve se possível, inteirar-se do tipo de caso a ser investigado, visando preparar-se tecnicamente para conduzi-lo. É muito importante dar inicio à investigação o mais rapidamente possível. 
Recomenda-se dispor de um "kit" pronto (papel, prancheta, lápis, caneta, borracha, trena, máquina fotográfica e, ou filmadora, e filmes).  
A escolha do método de investigação depende da complexidade do fenômeno investigado. Em situações de trabalho, caracterizadas por desrespeito evidente à legislação e às regras básicas de segurança, a investigação é relativamente fácil de ser conduzida. Em situações de trabalho complexas em que o acidente é fruto da interação entre vários fatores, são necessários métodos de investigação capazes de elucidar os vários aspectos envolvidos em sua gênese.
A coleta de dados é uma fase crucial que deve ser realizada no próprio local de ocorrência do acidente. Uma boa coleta deve possibilitar a compreensão de como ocorreu o acidente, quase como se fosse possível visualizá-lo passo a passo.  A sistematização da coleta de dados facilita esta tarefa, além de ajudar a evitar que aspectos importantes deixem de ser investigados.
Nas investigações, mesmo quando não se utiliza o método de Árvore de Causas, deve-se realizar a coleta de dados com o auxílio de suas categorias de análise, ou seja, atividade em desenvolvimento, desdobrada nos componentes:
  • Indivíduo - (qualificação, treinamento recebido, função/posto de trabalho, habituais e por ocasião do acidente etc.);
  • Tarefa - o que o(s) trabalhador (es) /indivíduo(s) executa(m) em condições habituais de trabalho e por ocasião do acidente;
  • Material - máquinas e equipamentos, matérias-primas, etc. utilizados na execução da tarefa;
  • Meio de trabalho – entendido como o meio social da empresa (relações sociais, pessoais, hierárquicas), forma de organização do trabalho, treinamentos ministrados, etc.
Quais são as recomendações para uma investigação de acidente?  
  • Tirar fotografias / filmar; fazer esquemas do cenário/máquinas, relacionados ao acidente que ocorreu;
  • Descrever instalações físicas, condições de iluminação, nível de ruído, posição de máquinas, equipamentos etc.;
  • Verificar o tipo de energia utilizada; se for o caso, descrever máquinas e, ou equipamentos (tipo, forma de acionamento, de alimentação, etc.);
  • Descrever a forma habitual de execução da atividade em desenvolvimento no momento de ocorrência do acidente;
  • Identificar, em relação às condições de trabalho habituais (trabalho real, não trabalho prescrito), isto é, sem ocorrência de acidente, o que mudou /alterou /variou, investigando as origens das alterações/mudanças/variações ocorridas.
É extremamente importante identificar as condições do sistema que permitiram o aparecimento dessas mudanças (ou variações). Em outras palavras, buscar as "causas das causas".
  • Descrever cuidadosamente as mudanças que provocaram perturbações que ultrapassaram a tolerância habitual do sistema, ou seja, aquelas que não foram solucionadas com as estratégias adotadas no funcionamento do sistema nas situações sem acidente. 
  • Quando não for possível esclarecer como se originou determinada modificação ou variação, explorar hipóteses possíveis acerca de sua origem e, para cada hipótese, buscar evidências diretas ou indiretas de sua ocorrência.
  • Buscar confirmação para todas as afirmações colhidas nas entrevistas, visando descrever os fatores que participaram do desencadeamento do acidente com a maior fidelidade possível.
Como organizar e analisar os dados coletados das investigações?
Os dados coletados das investigações do acidente devem ser organizados, isto é, deve ser elaborada uma descrição coerente do acidente, baseada em fatos passíveis de serem observados/constatados,sem emissão de juízos de valor e/ou interpretações, e que permita ao(s) investigador (es) "visualizar" da maneira mais completa possível como o episódio se desenrolou.
Esta etapa é fundamental na investigação. Embora aparentemente fáceis de serem realizadas, boas descrições exigem treinamento. Pode-se considerar adequada uma descrição cuja leitura permita a compreensão de como ocorreu o acidente, por profissionais que não participaram da investigação.
Somente após elaborar a descrição do acidente é que se deve analisar e interpretar as informações registradas e que nortearão a prevenção.
Como devem ser as medidas de prevenção/correção após a investigação de acidentes na indústria?
As investigações bem conduzidas de acidentes, quase acidentes e incidentes (acidentes sem vítima) fornecem informações valiosas à prevenção. 
A organização da prevenção implica na identificação (diagnóstico) dos riscos, de preferência antes que acidentes aconteçam, por meio de inspeções de segurança.
À fase de diagnóstico, segue-se a de correção – eliminação ou neutralização das falhas identificadas.
Em situações de desrespeito às normas consagradas de segurança, previstas em lei, e com medidas de prevenção já bem estabelecidas, a listagem de medidas é mais fácil, dispensando "exercícios de imaginação" ("brain storming"). Entretanto, algumas situações mais complexas, por exemplo, após ocorrência de acidentes de tipo 2 ou 3, o diagnóstico poderá revelar falhas, cuja correção pode envolver medidas que não as clássicas de engenharia de segurança. Nesses casos, o "exercício de imaginação" (“brain storming") costuma ser bastante útil.
Recomenda-se listar o maior número de medidas de prevenção possível, de tal forma que, no momento da seleção haja um leque de medidas para escolher.  
Listadas as medidas de prevenção possíveis, a partir do diagnóstico realizado, a etapa seguinte é a de seleção das medidas a serem implantadas. Nesse ponto, é importante que critérios de seleção sejam considerados. Assim, recomenda-se que as medidas selecionadas sejam capazes de:
  • Eliminar ou neutralizar riscos;
  • Não criar novos riscos;
  • Ter estabilidade ao longo do tempo;
  • Não aumentar as exigências para o operador;
  • Ter prazo de implantação compatível com o risco identificado;
  • Não ter efeitos negativos sobre a produtividade (se isso ocorrer, correm o risco de ser abandonadas).
Quando ocorrem as fases de implantação e acompanhamento da evolução?
Selecionadas as medidas de prevenção de acidentes, segue-se a fase de implantação, quando é imprescindível, por parte da empresa, a definição clara de recursos, de responsáveis e de prazos para a implantação de cada uma das medidas selecionadas.
Por parte da equipe de fiscalização, é importante a definição de responsável (eis) pela verificação da execução do que tiver sido estabelecido. Implantadas as medidas, segue-se a fase de acompanhamento da evolução para avaliação de seu impacto, verificação de ocorrência eventual de deslocamento de risco, de aumento de exigências para o operador etc.
A negociação com a empresa sobre as medidas de prevenção requer a criação de condições capazes de facilitar seu desenrolar. Negociar, entretanto, não exclui os aspectos técnicos e o conhecimento da legislação em vigor de tal sorte que, se as condições de segurança estão em desacordo com as normas legais, não há muito que discutir em termos danecessidade de adequá-las, cabendo, eventualmente, somente acordar prazos.

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